Covid-19: uma oportunidade para novos produtos
A pandemia covid-19 veio alterar o panorama da economia mundial a vários níveis, sendo um dos mais preocupantes a quantidade de empresas sem condições de se manterem no ativo. Contudo, a partir dos desafios lançados pelo novo paradigma que se tem vindo a afirmar nos últimos meses, surgiram várias novas oportunidades de negócio, nomeadamente a criação de novas startups ou novos produtos de empresas já estabelecidas no mercado.
Por Cíntia Costa
Em abril de 2020, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) classificou Portugal como o país com maior número de projetos diferenciadores que respondem a questões específicas da pandemia. Entre 150 novas soluções em todo o mundo, 19 eram portuguesas, o que representa cerca de 11% do total.
Atualmente, 37 projetos portugueses estão listados no website mundial da OCDE – OPSI (Observatory of Public Sector Innovation), na lista Innovative Response Track mantendo o país na liderança da inovação, seguido pela Áustria com 30 projetos.
Entre as plataformas referenciadas estão:
– o website e app do Governo “Estamos ON”, que inclui as medidas de apoio ao emprego e às empresas, as novas regras da vida na sociedade atual, ferramentas de teletrabalho, o estado epidemiológico atualizado, entre outras informações importantes;
– o website CoronaKids, promovido pela Direção-Geral da Educação (DGE), pela Direção-Geral da Saúde (DGS) e pela editora Ideias com História (da editora Palavras Legadas), que tem como objetivo a educação das crianças para a situação atual através de conteúdos interativos e jogos;
– o programa Research 4 Covid-19, promovido pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e pela Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica (AICIB), que tem como objetivo o apoio de iniciativas de R&D que apresentem respostas para as necessidades imediatas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com um fundo de 1,5M€;
– o movimento Tech4Covid19, liderado por um grupo de empreendedores do setor tecnológico, que tem agora 5360 voluntários de mais de 250 empresas diferentes, 34 projetos ativos e já angariou 210k€.
Esta cultura de inovação nacional manifesta-se igualmente no Polo Tecnológico de Lisboa, onde várias empresas se adaptaram às novas circunstâncias e desenvolveram novos produtos para solucionar questões fundamentais trazidas pela situação pandémica que vivemos.
Desinfeção em qualquer lugar
A EPL- Mecatrónica e Robótica, no LISPOLIS desde 2011, desenvolveu uma solução com luzes ultravioletas no espectro C de 254nm que, com um módulo autónomo conjugado com um robot que se desloca sozinho e se autocarrega, sem necessidade de contacto humano, desinfeta um espaço fechado numa questão de minutos.
“Este era um produto que já tínhamos identificado anteriormente e que estava nos nossos planos de desenvolvimento sobretudo por ser uma tecnologia com elevado potencial de utilização em ambiente hospitalar e com uma capacidade extremamente elevada de neutralização de bactérias multirresistentes, vírus e todo o tipo de microrganismos passiveis de causarem infeções graves”, explica Nelson Pires, Engineering Director na EPL.
“O surgimento de casos de covid em Portugal e o decreto pela OMS de estado de pandemia, vieram colocar como prioritário o seu desenvolvimento”, acrescenta, indicando que estavam já numa posição privilegiada, com os recursos humanos e técnicos necessários e o know-how adequado.
Esta tecnologia tem um potencial alargado, uma vez que poderá estar em ambientes não só hospitalares como industriais e de utilização pública, como edifícios empresariais e espaços de restauração.
Neste momento, com pedidos de mais de 20 países em 3 continentes, esta solução, com patente pedida e com candidatura a financiamento, pretende marcar a diferença no mercado nacional e internacional.
Testes mais rápidos
A FastCompChem, empresa de mecânica quântica que se dedica a acelerar processos de experiências e testes clínicos e farmacêuticos, desenvolveu um algoritmo de visão computacional que permite a rápida identificação da existência de Covid-19 em radiografias tradicionais. Esta solução é indolor para o paciente e mais rápida do que o processo utilizado atualmente, com as amostras recolhidas por zaragatoas que têm de ser transportadas para centros de análises clínicas para obtenção dos resultados, o que em condições ótimas demora no mínimo 5 horas.
Esta nova solução consiste no upload da radiografia para uma plataforma cloud based que analisa a imagem e oferece o resultado em apenas alguns segundos, num processo que poderá ser feito a partir de qualquer lugar no mundo. Esta tecnologia está em fase de testes, através da utilização de dados disponibilizados pelo Hospital Johns Hopkins, localizado nos Estados Unidos da América, considerado como uma das maiores referências de investigação mundial, e já apresenta uma precisão de mais de 85%. Contudo, a base de dados para esta fase de testes deverá ser alargada através de parcerias com dois hospitais portugueses e um norte-americano, por forma a atingir uma precisão de mais de 97%, mínimo requerido pelo sistema médico.
O projeto é promovido por Pedro Lopes, Ph.D. em Química Computacional, CSO & Fundador da FastCompChem e Professor Assistente de Pesquisa na Faculdade de Farmácia da Universidade de Maryland, e por Sérgio Dias, Ph.D. em Ciência Computacional e Engenharia, com especialização em visão computacional e Inteligência Artificial. Neste momento, estão em fase de pedido de patente e com candidatura de financiamento pendente, estando igualmente à procura de uma equipa especializada para dar continuidade ao projeto e garantir que a submissão de radiografias na plataforma é completamente segura e funciona em todas as geografias.
No entanto, o projeto pretende ser mais amplo do que apenas a deteção de Covid-19, pois através de radiografias é possível detetar um conjunto de outras doenças. Assim, a empresa afirma que este será o caminho a percorrer a longo prazo, através da prova de conceito agora iniciada.
Sair à rua em segurança
Embora o contexto social tenha mudado, a necessidade de ir a lojas ou supermercados continua premente. As novas regras em Portugal são claras: uso de máscara obrigatório, desinfeção das mãos à entrada, nalguns locais até medição de temperatura, e circulação bem definida, com entradas e saídas identificadas. Contudo, nem todas as pessoas conseguem ter acesso à informação sobre o funcionamento de cada espaço comercial em particular, nomeadamente pessoas com visão reduzida ou cegos, pessoas em idade sénior ou com dificuldades motoras.
Neste sentido, surge o CovidTalk, uma adaptação do produto MyEyes, desenvolvido pela Iki Technologies, que permite que através da leitura de beacons ou outros sensores seja despoletado um conteúdo de voz na aplicação a indicar as regras de cada espaço. Esta solução ganha uma especial importância para os cegos, que nesta altura não podem utilizar o tato para leitura de placas e sinais informativos.
O CovidTalk foi um dos 10 finalistas do concurso Santa Casa Challenge Extra COVID-19, que procurava soluções para necessidades específicas de idosos em situação de isolamento pela COVID-19 e reuniu 74 projetos nacionais e internacionais. Obteve também grande interesse pelo Royal National Institute for Blind People (RNIB), instituição no Reino Unido, pois além de ser uma resposta às questões das novas regras em espaços fechados, poderá ser também uma ajuda no distanciamento social de pessoas cegas.
Neste momento, a solução já está tecnicamente pronta e espera financiamento para alargar a equipa e apostar na área comercial, sendo que numa primeira fase pretende realizar um piloto junto de uma instituição, nomeadamente lares de terceira idade.
Estas são algumas das novas soluções desenvolvidas pela comunidade de empresas LISPOLIS, mas não são certamente as únicas. Várias empresas estão a criar novos conceitos e vão lançar novos projetos em breve. O LISPOLIS continuará a divulgar as suas atividades, através do blog e redes sociais (Facebook e LinkedIn).